A hora da virada pode chegar quando a alma grita por sentido

Foto : Andrea Piacquadio


Transição de carreira pode ser o começo de uma nova vida com mais propósito e saúde mental


Muita gente vive num piloto automático, cumprindo tarefas, batendo metas, seguindo cronogramas, e esquecendo de perguntar para si mesmo: “Eu ainda gosto do que faço?” A pergunta parece simples, mas a resposta, quase sempre, assusta. A terapeuta Hilda Medeiros, criadora do programa Mudança Essencial, conhece bem esse dilema. “Uma cliente de 43 anos, cansada da profissão à qual havia se dedicado desde a formatura, me procurou se sentindo exausta demais para seguir como estava”, conta. Ela dizia estar velha demais para mudar, mesmo percebendo que sua paixão pela profissão tinha simplesmente sumido.


Essa sensação de vazio, que vai minando o brilho no olhar, não acontece de repente. “O desencanto profissional não chega do nada. Os sinais estão lá: a tristeza que não vai embora, o desânimo que insiste em ficar, a vida que parece sem cor”, diz Hilda. Só que a gente ignora, porque está ocupado demais com o que “tem que ser feito”. Quando a vida vira um check-list eterno, sem espaço para respirar, sonhar ou até se escutar, o adoecimento emocional é quase certo.



O problema é que pouca gente fala sobre isso. Trocar de profissão ainda é visto como fracasso ou instabilidade. Mas a verdade é que manter-se num trabalho que já não te representa pode custar muito mais caro — custa saúde mental, relacionamentos, e até o prazer de viver.


Não é tarde para mudar, é tarde para continuar infeliz


Há uma ideia equivocada de que mudanças profissionais só são possíveis antes dos 30. Depois disso, parece que qualquer tentativa de recomeço vira uma irresponsabilidade. Só que essa lógica é cruel e irreal. “Minha cliente não queria mais seguir como estava, mas não via caminho. Não se preparou para mudar, ficou tanto tempo envolvida no trabalho que esqueceu de si mesma”, relata a terapeuta.


É nesse ponto que o invisível começa a paralisar. Não é um obstáculo físico, mas interno: medo, insegurança, culpa. Hilda chama isso de O Invisível Paralisante — título, aliás, do seu livro recém-lançado. “Ela havia deixado de sonhar, de acreditar nas possibilidades — e isso estava levando-a ao adoecimento”, explica. O que resgata uma pessoa do fundo desse poço não é um plano de negócios, nem uma nova graduação: é a coragem de voltar a sonhar.


Em vez de se cobrar certezas, o mais importante é não deixar o desejo morrer. Muita gente só precisa de permissão para querer algo diferente. E querer é o primeiro passo. “Foram necessárias algumas horas de conversa até que a sonhadora voltasse à tona. Ela podia não só mudar de profissão, como mudar de vida”, afirma a terapeuta. E mudou mesmo. Hoje, empreende com sucesso, após descobrir um novo propósito.


A transição de carreira como caminho de cura


Recomeçar não é sobre currículo, é sobre escuta interna. “O Invisível Paralisante é um convite à pausa, à escuta interna, às mudanças que querem acontecer através do ser em ação”, diz Hilda. O recomeço geralmente nasce de um desconforto que a gente tenta calar por muito tempo. Mas há momentos em que silenciar o incômodo é impossível. Quando o trabalho vira uma prisão, quando o domingo à noite vira tortura, quando até o corpo começa a reclamar, é hora de parar tudo.


Um levantamento da Fundação Dom Cabral, publicado em abril de 2024, mostra que 56% dos profissionais brasileiros pensam em mudar de carreira nos próximos cinco anos. Entre os principais motivos estão o esgotamento emocional, a busca por mais propósito e a vontade de empreender. Ou seja: você não está sozinho. Esse desejo de virar a chave está crescendo. E não é coincidência. O trabalho, que um dia foi sinônimo de realização, está cobrando caro demais. E a conta tem vindo em forma de burnout, crises de ansiedade, depressão.


Quem decide mudar, no entanto, precisa entender que o processo envolve mais do que jogar tudo pro alto. É preciso planejamento, sim — mas, acima de tudo, disposição para lidar com as incertezas. Porque a transição também é um terreno de dúvidas, de inseguranças, de noites mal dormidas. Ainda assim, como bem pontua Hilda, “é preciso coragem para olhar atentamente aquilo que parece o caos inteiro — e reconhecer que, muitas vezes, é desse desconforto caótico que nascem as mudanças essenciais.”


Sonhar é o ato mais revolucionário de quem quer mudar


O que a história dessa cliente — e tantas outras — nos ensina é que sonhar não é ingenuidade, é sobrevivência. Quem não sonha, adoece. Quem se cala, se apaga. “Qualquer momento é possível para se reinventar, mas, para que isso aconteça, é importante não deixar o sonhador se apagar”, alerta Hilda Medeiros. É justamente essa parte de nós que imagina novos caminhos, que vislumbra possibilidades, que nos empurra para a vida. Ela pode até estar adormecida, mas não morreu.


Sonhar dá trabalho, sim. Às vezes, exige abrir mão de status, salário fixo, zona de conforto. Mas também pode abrir espaço para uma vida mais inteira, mais honesta com quem você é. A mudança de profissão não precisa ser imediata nem radical. Pode começar em paralelo, com um curso, um teste, uma conversa, um projeto aos poucos. Mas precisa começar com uma escolha: a de voltar a se escutar.


Como diz a própria Hilda: “Assim como minha cliente, também coloquei os músculos da sonhadora em ação, ousei querer e lancei meu livro. Ousar querer é o início de toda transformação”. Pode parecer um detalhe, mas é um ato de coragem. E coragem, em tempos de automatismo e conformismo, é tudo o que nos mantém vivos.


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