Como a voz pode libertar ou aprisionar pessoas trans





Readequar a voz é um passo essencial na afirmação da identidade de pessoas trans e pode impactar autoestima, saúde mental e inclusão social

Em meio ao processo de transição de gênero, a voz desempenha um papel central na afirmação da identidade e no bem-estar emocional de pessoas trans. Embora procedimentos hormonais e estéticos sejam comumente procurados para alinhar aparência e identidade, é a voz, elemento carregado de significados sociais e emocionais, que muitas vezes denuncia uma desconexão ainda não resolvida.



Para a Dra. Cristiane Romano, fonoaudióloga, mestre em expressividade e especialista em comunicação, a intervenção vocal profissional representa um passo decisivo para a autoestima e a integração social. “A voz é um marcador identitário. Quando ela não representa quem a pessoa é, surgem dores invisíveis que afetam desde a autoestima até as oportunidades profissionais”, afirma a especialista.


Um estudo publicado na revista Audiology & Communication Research revelou que 96% dos participantes trans brasileiros, em um grupo de 27 pessoas, apresentaram queixas relacionadas à própria voz. A pesquisa aponta uma forte percepção de disparidade vocal, associada a altos níveis de insatisfação, além de sintomas como ansiedade, depressão e isolamento social. Nesse contexto, a voz deixa de ser apenas um instrumento de comunicação e passa a representar uma barreira emocional e social.


A readequação vocal, segundo a Dra. Cristiane, vai muito além da modificação da frequência. O processo inclui ajustes de ressonância, entonação, articulação e ritmo, elementos fundamentais para que a expressão vocal esteja em sintonia com a identidade de quem fala. “É um trabalho técnico e emocional. Reeducar a voz é também um processo de autoconhecimento e de reconexão com o próprio corpo”, explica.


O acompanhamento fonoaudiológico é recomendado tanto para quem opta por cirurgia de readequação vocal quanto para os que preferem uma abordagem não invasiva. Os resultados, segundo a especialista, começam a se manifestar após alguns meses de terapia vocal contínua. “Readequar a voz é uma jornada. Cada sessão contribui para construir uma identidade vocal mais autêntica e fortalecida”, afirma.


Apesar das evidências sobre os benefícios desse processo, a cobertura pelo sistema público de saúde e por planos privados ainda é limitada, dificultando o acesso de muitas pessoas trans a esse cuidado essencial. A falta de profissionais capacitados em readequação vocal também é um obstáculo que compromete a democratização do atendimento.


Para a Dra. Cristiane Romano, a transição vocal transcende questões estéticas. “Trata-se de reescrever a própria narrativa. De garantir que a pessoa seja vista, ouvida e respeitada por aquilo que realmente é. Readequar a voz é, antes de tudo, um ato de emancipação”, conclui.




Sobre a Dra Cristiane Romano 


Fonoaudióloga, mestre e doutora em Expressividade pela USP. Especialista em Voz pelo CFFª - Conselho Federal de Fonodiaulogia e em Gestão Estratégica de Marketing pela PUC Minas. Formada em Business and Executive Coaching pela University of Ohio - EUA. É autora de diversos livros e artigos científicos nacionais e internacionais e atua na capacitação de líderes, famílias e educadores para o fortalecimento da comunicação, da escuta ativa e da inteligência emocional.

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